quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O grande e o melhor


Essa semana deixaram em minha porta um pacote. 
Estava escrito do lado de fora: "A fé é a menor palavra e a mais poderosa". Dentro havia um livro, e como remetente estava apenas um número. 
Perguntei ao porteiro quem havia deixado e ele então me explicou que havia sido uma vizinha.
Aquilo me surpreendeu porque tratava-se de alguém com quem tenho pouquíssimo contato, não mais que a troca de meia dúzia de palavras em um elevador ou na garagem.
Resolvi ligar para agradecer e minha surpresa foi ainda maior com a calorosa acolhida de alguém que pouco conheço - e senti vergonha por isso.
Moramos tão perto e estamos tão distantes.
Ela me recordou de coisas que eu havia lhe dito anos atrás e que eu já nem lembrava mais.
De alguma forma ela ficou sabendo sobre o que eu estou vivendo - não perguntei - e quis demonstrar aquele cuidado. 
Foi algo pra pensar.

Há algum tempo eu desisti de ter melhores amigos. Talvez por não querer mais ser mero objeto de decoração na vida deles, um velho quadro na parede destoando da decoração, como me tornei. Fiquei ainda mais reclusa neste último ano, estreitando bastante a passagem na porta da proximidade.

Já tive melhores amigos. Hoje prefiro ter grandes amigos e ser uma grande amiga. A diferença é que não existe a imposição, a cobrança de ter que ser o melhor, mas apenas grande.
Quando se deposita em alguém o título de melhor amigo as decepções terão um peso devastador. Os grandes amigos podem falhar sem causar tanto dano quanto os melhores amigos. Sim, nesse caso prefiro o grande ao melhor.

Somos mutantes de nós mesmos. Nossos sonhos vão se moldando com o tempo, com a idade e as experiências. Alguns morrem, outros adormecem,outros desabrocham, como os relacionamentos. As pessoas que encontramos na vida podem permanecer por um tempo, participar com grande intensidade, mas os caminhos se distanciam até perder de vista. Outras chegam despretensiosamente e se tornam um precioso tesouro. Outros se perdem no fundo de uma gaveta e de repente encontramos de novo. Precisamos nos reconhecer nos outros de vez em quando para não ficarmos sem bússola.  
Tentamos ser felizes na correnteza. E precisamos conseguir, ou nos afogaremos e seremos apenas fragmentos de corpos boiando até finalmente encontrar o mar, sem nos darmos conta disso até ser tarde demais. 

Encontrei uma conhecida na padaria outro dia. Ela elogiou meu corte de cabelo e eu disse que havia cortado curto devido aos efeitos da radioterapia. Expliquei o problema sem entrar em muitos detalhes. "- Como assim...Não pode!". Foi tudo o que ela disse, marejando os olhos. Dei-lhe um abraço. Ela tratou de se despedir e cada uma seguiu seu rumo. Ela foi andando à passos lentos, parecendo ter esquecido o que precisava comprar.
Passei no caixa, entrei no carro. Chorei.
Por que eu contei? Eu poderia não ter dito nada. Aquela resposta tão curta acabou comigo naquele momento. Ela só queria um cumprimento social cordial, e eu lhe dei um soco gratuitamente. Talvez ela evite cumprimentar conhecidos depois daquilo.

Qual o nosso real valor no mercado da vida? O quê realmente resta de importante quando nada mais resta? Talvez a resposta apareça quando substituirmos o "O quê" da pergunta por "Quem".

Meus amigos da família. Meus grandes amigos, a quem eu amo muito. Dos que choram no meu colo em plena Segunda-feira aos que deixam bolos deliciosos para o meu filho em minha ausência. Dos que me honram com sua confiança e que se revelam imensos quando eu menos espero. Dos que preservo desde a infância, da universidade, da minha terra natal, aos que me querem junto nos almoços de Sábado. Os que escrevem seus nomes em cartões imensos e carinhosos quando a "professora" falta.Os que me salvam. Os que me curam. Os daqui e de tantos cantos do mundo. Os novos amigos que conheci desde sempre e que de recente só há mesmo a data em que nos encontramos. Os que, embora geograficamente longe estão presentes em todos os momentos "dentro do coração", como diz o Milton Nascimento.

Sou feliz porque amo muita gente.


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