quinta-feira, 28 de março de 2013

Blindados


Dias de feriadão, peixe, chocolate, coelhos saltitantes...
Versão cristã da festa pagã. Alguns ovos de chocolate estão quebrados, outros estão sem recheio.
Dias de calendário.
Pra viver eu lembro da morte de Jesus.

Os exames buscam entender o que se passa, e o que quer que esteja na minha cabeça não desaparece como alguns esperam. Fica lá, na sombra, e de vez em quando atira em mim ( a vida atira em todos nós algumas vezes). As balas ricocheteiam. Atire, atire...eu continuo.
Alguns dias são melhores que outros pra mim...e pra todo mundo.
Ah, sim, eu lembro da morte de Jesus todos os dias. E como um chocolate.
Ele recebeu o que tinha que receber, enfrentou a morte e continua vivo.

A lição disso, a lição da Páscoa que quero compartilhar com vocês hoje independentemente do que está no calendário, independentemente de crenças pessoais, é a de que a vitória não está em escapar dos tiros. A verdadeira vitória está em caprichar na blindagem. 
Abraço e bom final de semana. 

Segue o vídeo:

sábado, 23 de março de 2013

O Sétimo

"E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito."
Gênesis 2:2


É Sábado. Sétimo dia da semana.
Matei a morte outra vez.
Deus, você pode me ouvir?
Hoje é Sábado.
Eu até poderia descansar, mas tenho que arrumar as almofadas no sofá.
Matei a morte de novo.
Eu quis fazer um monte de coisas, mas não deu. Talvez por ser sábado e a minha cabeça...
Deus, você pode me ouvir?
Estou no mar turbulento, meu barco está todo remendado e tenho saudades de casa...
Eu ia descansar, mas tenho que decidir qual o pão vamos comprar hoje e ser grata porque podemos pagar por ele.
Ainda é Sábado.
Um banho, o espelho, gotas de perfume.
Matei a morte mais uma vez.
Alguém continua reclamando de alguma coisa, do atraso, de ter que fazer isso ou aquilo, de ir a algum lugar, enquanto eu mato a morte em silêncio. 
Deus, você pode me ouvir?
Porque você descansou no Sábado, mas eu preciso lavar a louça e ter um monte de respostas pra muita gente sobre coisas pequenas.
Eu poderia ir ao banheiro, mas o telefone tocou e se eu não atender alguém vai se chatear comigo.
É Sábado.
Daqui a pouco mato a morte outra vez.
Mas antes vou acender as luzes e perfumar a casa.
Eu poderia descansar mas alguém continua reclamando da vida enquanto eu silenciosamente continuo matando a morte.
E hoje é Sábado.
Queria segurar a mão de alguém em silêncio e não responder. Queria ver mais sorrisos.
Quero perguntar.
Deus, você pode me ouvir?
Posso descansar?
Talvez você assista vídeos, Deus, então mando esse pra você ver amanhã, que é Domingo, e você já terá descansado.
Porque hoje ainda é Sábado, e eu preciso voltar lá e matar a morte de novo.
Hoje já está quase acabando.



segunda-feira, 18 de março de 2013

Culpa da Grama





"A ignorância é uma espécie de bênção." 

John W. Lennon

Essa foi a frase que mais fez sentido pra mim ultimamente.


No final de Fevereiro fez um ano desde que recebi o diagnóstico daquilo que os médicos chamam de "presumido meningioma"(o fato é que não há como ter certeza do que seja) em meu cérebro. Isso me fez pensar em muita coisa, inclusive se iria ou não continuar a escrever. De repente pareceu que tudo é inútil, que simplesmente não vale a pena o esforço porque o mundo é sempre um remake do mesmo enredo...


"As pessoas não vão alcançar", ouvi de alguém. "É se expor à toa" ouvi de outro.
Por semanas mergulhei num silêncio profundo, com sons que só minha mente percebia.


Recentemente fui ao hospital fazer mais uma ressonância magnética no crânio. Me aproximei do balcão de atendimento e vi, em um cantinho perdido da parede, uma folha meio amassada presa com fita adesiva, a conhecida frase de Gandhi que diz: "Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas de água suja nele, não quer dizer que ele esteja sujo por completo."

Ele estava errado - pensei. - Não são apenas algumas gotas, são muitas. Há muito lixo acumulado nesse oceano.E talvez eu seja uma dessas gotas sujas. 

Diante de meu "momento reality", me vi cercada não de 50 tons de cinza, mas de um único e incontestável...preto.

Meu moleque interior me dizia pra brincar mesmo assim. Mesmo sem ter com quem. Precisava de motivação pra voltar ao playground.E aqui estou eu de novo, moleque teimoso!

No caminho pra casa, vi uma loja para alugar. As plantas secas diziam que ali havia existido um jardim projetado, mas sem cuidado agora estava tudo encoberto por mato e ervas daninhas. A grama, as palmeiras fênix e os buchinhos estavam mortos.

Arthur Janov, autor de "Primal healing"( A Cura Primal/2006) , Phd em psicoterapia que tratou John Lennon, disse: "Nunca vi tanta dor em minha vida", falando sobre o paciente ilustre em recente entrevista à Folha de São Paulo. Fica difícil a existência de quem quer mais da vida, de quem anseia por algo além do que feijão aguado com arroz todo dia achando que é bom porque outros dizem que é. O viver profundo é doloroso.

Em minha mente um pensamento fixo: é tudo culpa da grama!

Aqui os leitores superficiais podem parar de ler e buscar algo mais trivial porque só irão até o fim os que não usufruem da bênção da ignorância. A coisa vai ficar meio pesada daqui pra frente...e só vai poder compreender quem puder se despir da pessoalidade. E vai ser longo, para quem tiver fôlego e cabeça. Eu não escrevo para agradar você. Nem para criticar seu modo de vida. Escrevo para mim mesma e apenas compartilho com alguém a quem possa interessar. Não pretendo que me compreendam nem concordem comigo. Escrevo porque, como diz o Jason Mraz, aguento a onda, sei meu nome e sigo meu caminho. Mas por que é mesmo que eu estou me justificando? Ok, deixa pra lá e vamos em frente.

Quando o ser humano passou a cultivar gramíneas (trigo, cevada, cana, arroz e milho são tipos de "gramíneas"), precisou administrar as aglomerações de indivíduos e a produção, e daí surgiram a escrita, a política e a religião institucionalizada. Surgiu a noção de poder, e com ele a idéia de conquista e disputa.

Quando a baderna histórica já estava estabelecida, aparece esse cara, Jesus, e diz que pra arrumar tudo bastava amar a Deus e obedecer uma regrinha básica, mas muito importante: : "Ama o próximo como a ti mesmo" ele disse - e todos os problemas da humanidade estariam resolvidos. E foi pregado numa cruz.

A humanidade "progrediu", precisando cada vez mais de polícia, mais lei, mais juiz. E rola a sacanagem por todo o lugar: empresas, famílias, sociedade. Normal?

Surgiu até uma rede de revendedores de Cristo, prédios bonitos, grandes com altares e palcos e muita gente se tornou sócia. Eles se chamam "escolhidos". São pessoas separadas que levantam os bracinhos todos os domingos dentro desses prédios e gritam "halleluya! " e tudo é muito bacana, com música e tal.Ficam ali cerca de duas horas, depois saem dali causando tumulto no trânsito porque todos precisam respeitar e dar espaço aos escolhidos, já que são eles que sabem quem vai pro "céu"e quem vai pro "inferno", e que se você não for como eles vai se dar mal eternamente. Já sabem até "lidar"com o "problema" dos homossexuais. Tem um padre playboy que encanta a mulherada com aquele"olhar" e roupas maneiras. Ele faz shows pelo país e arrecada muito dinheiro para as obras. Um outro sujeito, RR Soares, já garantiu que Jesus vai dar uma bênção especial pros sócios que colocarem os dízimos em débito automático ( http://www.youtube.com/watch?v=ohVj3new5Bw). O "apóstolo" Valdemiro Santiago resolveu criar gado até fora da igreja - o curral ali ficou pequeno e ele precisou de um maior no pantanal(reportagem rede Record: http://www.youtube.com/watch?v=X6lHkGU3Lis).  É bom ter muito medo e se associar logo pra ser salvo do que vem por aí. O resto depois a gente vê.
Eu mesma já pensei que isso pudesse ser diferente, e que o "ama ao próximo como a ti mesmo" pudesse começar na religiosidade, mas não...e é culpa da grama, porque ela precisa de um jardineiro fiel que cuide dela. Do contrário o mato toma conta, como naquela loja que está para alugar.

Muita conversão, pouca convicção.

A vida se resume em você pagar agora dívidas de vidas passadas, em resgatar, em evitar contrair dívidas futuras, em buscar um jeito de se salvar do julgamento final, matar os infiéis e seja qual for a sua (maldita) religião, evoluir (embora o entendimento de evolução seja, digamos, questionável.) Viver hoje em função do amanhã eterno onde finalmente poderá ser feliz para sempre, se não for para o inferno. E falo maldita entre parênteses porque as religiões não significam mais o que o termo sinaliza originalmente: reconectar-nos à essência espiritual que leva ao amor e à luz a partir da consciência de que somos parte de um todo maior que nosso universo pessoal (leia-se umbigo). Bom, essa é minha definição pessoal. Para muitos significa "nicho lucrativo de mercado", ou "matar quem não concorda comigo".

Tudo em nome de um Deus que deve estar beeeeem chateado. Seja na política, no mercado ou na religião, o valor gerente é o medo, muito mais do que a fé. Nenhum império na história foi mais poderoso, influente e longevo (e igualmente corrupto) do que o Vaticano. Nunca houve tantas igrejas como hoje proliferando,de todo o tipo, igrejas com milhares e milhares de membros. Nunca se viu tanto dinheiro rolando em tanta igreja, assembléia, terreiro, e esses lugares permanecem pobres de Deus. Os evangelhos se referem à igreja como a "noiva" de Cristo, uma noiva, diga-se, muito infiel. Talvez o noivado tenha sido rompido e ninguém avisou a gente. Culpa da grama. A ignorância é mesmo uma bênção.

O "Shema YIsrael Adonai Eloheinu Adonai Echad", que significa "Ouve Israel! Eterno é nosso Deus, o Eterno é UM", frase que sintetiza a religião judaica. Faltou desenhar isso no Decálogo também.


Bom, mas se a cura de todos os males da humanidade não vem da religião, então virá de onde? Essa pergunta foi feita por minha criança interior, me perturbando outra vez, a danada.

"É madrugada, alguém leva outra pessoa para juntos não chegarem.
Alguém lava pratos e deixa cair água dos olhos numa casa de aluguel.
Alguém descobre que ninguém é dono de nada.(...)" 
( Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, em "Deus foi almoçar", Ed. Planeta)

Ama ao próximo como a ti mesmo. Eu não consigo amar o próximo muitas vezes. Em outras não amo nem o distante. Mas respeito, e isso já é um começo. Um dia chego lá e aprendo a cuidar da grama.

Inspirem-se com cada palavra cantada por essas meninas, e tenham uma boa semana:http://www.youtube.com/watch?v=ZqSbQgNWdUM