quarta-feira, 17 de outubro de 2012

No vale de Baca

"Ao passarem pelo vale de Baca, fazem dele um lugar de fontes; as chuvas de outono também o enchem de cisternas." 
Salmo 84:6


Quando eu estudava no ensino médio como bolsista em uma conceituada escola metodista em Porto Alegre, tinha um colega em minha turma que se chamava Fábio. Ele era solitário e triste. Andava cabisbaixo apesar do 1,90m de altura, era de origem muito humilde, negro, jogava no time de basquete do colégio e era bolsista como eu. Um dia, durante um treino, me aproximei dele e ficamos amigos. Ele me chamava de "Tia Josi"(parece que eu já nasci velha), eu tinha uns 14 anos e ele por volta dos 15. Na época de provas todos da minha turma eram meus melhores amigos, mas repugnavam minha amizade com o Fábio. Como eu podia conversar com um garoto, ainda por cima negro e pobre? Quando as provas acabavam eu voltava a ser  "bolsista" e por isso alvo de chacota.  Então ficavam só o Fábio e mais 3 ou 4 pessoas que se atreviam a se aproximar. Éramos "contagiosos". Colecionava as bolas de papel que voavam em minha direção durante as aulas. Naquela época nem se falava em bullying. Naquela época ofender alguém por causa da pele escura também não era crime...

O tempo passou, as leis mudaram, mas parece que as relações humanas ainda são regidas por preconceitos e medo. Impressiona como as pessoas se aproximam por razões erradas, e impressiona também o peso que se dá, ainda hoje, mais ao que cada um tem e aparenta, menos ao que cada um é.
A sociedade ainda se organiza em tribos especiais, e quase ninguém mais diz o que pensa, mas diz aquilo que convém à imagem que quer projetar de si. Enroscam-se em grilhões que eles mesmos criam até sufocar com as correntes e perderem-se de si mesmos. Eternos devedores de seus traumas e mentiras "justificáveis".
Chegou à um ponto em que muitos só mostram realmente quem são atrás de pseudônimos na internet. Existe o medo de se expor, de mostrar a cara, de exercer autenticidade, cultuando aparências em nome de interesses onde deveria haver essência. A vida seria mais simples e as relações mais "limpas"e felizes.

A gente se machuca ao andar. Fases difíceis da vida podem ser traumáticas- se a gente permitir. Sobrevivi à vales assustadores pelo caminho, não por mérito meu, mas da fé e de uma inesgotável crença na vida. Temos que atravessar os vales de Baca conservando o aprendizado, não o trauma.
Momentos difíceis são momentos de transformação e aprimoramento, não de derrota e mágoas.

Tive más e boas experiências em meus tempos de colégio, em ambientes de trabalho e até na família. Quem não teve? Isso se chama vida.
Mas ao contrário de agarrar-me às feridas para justificar meus medos e inseguranças, busquei entender melhor à mim mesma através desses acontecimentos. Não há como fugir de quem realmente somos, e não devemos deixar que experiências passadas cristalizem paradigmas que nos aprisionem. Por isso as novas experiências são chamadas de novas: porque são diferentes das passadas, nem nós somos os mesmos nem as novas pessoas são como eram antes.
Nunca mais soube do Fábio. Hoje com 4 diplomas,  leciono no Brasil e no exterior, dando aula para pessoas simples e também para elites e até líderes e monarcas de alguns países. Todas essas pessoas, muitas de culturas e níveis sociais tão distintos, possuem sonhos, ansiedades, medos e atravessaram vales de Baca. Como cada um que está lendo este texto. A felicidade de uma vida plena, com relacionamentos verdadeiros, é um direito comum à todos. Se alguém ou alguma coisa não lhe faz bem afaste, sem no entanto fazer disso um cadeado para conhecer outros momentos. Não justifique com seus "traumas" o medo de viver. 

Sejamos doces apesar de tudo, e não amargos por causa de tudo - do contrário chegará o dia em que não suportaremos o gosto de nossa própria saliva.
Seja livre e mais feliz agora.
Segue o vídeo: 


Abraço e bom final de semana.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Gigantes no abismo




"Senhor, o Teu mar é tão grande,

E o meu barco é tão pequeno "

Winfred Ernest Garrison

1874 - 1969



Passei por duas cirurgias na última Sexta-feira. Foi difícil sair pra votar no Domingo passado.

Nada a ver com o tumor no cérebro, foram problemas nos ovários e de vesícula. Ainda é ruim ficar sentada. E deitada, em pé, parada, andando...

Pode parecer para alguns que agora sou uma desocupada que usa a internet pra ter o que fazer, mas o objetivo na verdade é oferecer alguma coisa boa quando tudo em volta diz que estamos fracos e não temos nada à oferecer. Quero oferecer algo saudável enquanto eu puder, mesmo se a saúde quiser fugir de mim.

Recuperação chata, pareço uma peneira com tantos furos espalhados na barriga...e mais uma vez cantei "I will survive " na sala de cirurgia até a anestesia fazer efeito. Não sei por quê isso sempre acontece. Pelo menos não cantei "Para nooossa alegriaaaa" que seria bem mais catastrófico e correria o risco do médico e os auxiliares fugirem em pânico e do anestesista me dar uma overdose pra me fazer calar a boca. É uma frustração eu não saber cantar. Ainda.

Algumas pedras e nódulos mais leve, nadamos em mares revoltos com a tranquilidade de quem escorrega em um arco-iris.

Algumas situações são como ladrões: chegam de surpresa e querem nos roubar a vida, o tempo, a motivação pra fazer as coisas.
Às vezes esse ladrão traz uma gangue inteira que nos cerca de modo ameaçador em algum canto escuro. 
Pode ser doença, pode ser uma traição, uma decepção ou injustiça, pode ser uma perda, um acidente, um problema. Um furacão categoria 5.0 que vem sem aviso e acaba com o que estiver construído, engole o que pode e o que não pode ele destrói.
De repente estamos beirando abismos e lá embaixo o mar revolto pela tempestade é ameaçadoramente forte.
Mas também lindo.

Você já teve a sensação de estar tentando se agarrar com as mãos pra não cair no abismo, e então aparece alguém pra pisar em seus dedos?
Essas coisas acontecem porque é nesse exato momento que surge o gigante em nós. É quando soltamos as mãos e abrimos os braços diante do perigo, porque ali, na beira do abismo e com alguém pisando em nossos dedos se manifesta o gigante em cada um, e já não temos medo do abismo porque nos tornamos maiores que ele. É a melhor hora do filme.
Antes de se concretizar, a derrota precisa se tornar um estado de espírito, e isso só acontece se a gente permitir. 
Como transformar furacão em brisa? Como transpor uma montanha da qual não se consegue avistar o cume? Por quê essas coisas acontecem nas nossas vidas? Para que se possa viver a melhor parte do filme!

Se lhe pisarem os dedos, supere à si mesmo e se torne um gigante. As mesmas ondas assustadoras são as mais belas. Aprenda a surfar nelas como quem escorrega no arco-íris.

Segue o vídeo de hoje: 



E bom final de semana pra todos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Urnas de vento


Ainda me pergunto por quê escrever sobre esse assunto hoje...às vezes parece que minha cabeça e minhas mãos não me pertencem.Segunda-feira talvez fosse melhor uma piadinha, coisa assim... Mas vamos lá, vamos arriscar.

Política deixou de ser ciência e passou a ser negócio.
Voto deixou de ser opinião e virou mercadoria.
Consciência virou estatística.

Em poucos dias estaremos encarando a dura realidade das nossas eleições: o paradoxo de um modelo democrático usado como armazém.
A consciência de cidadania foi guardada em uma moedeira, enquanto se vota em candidatos "menos piores", "com mais chance de ganhar"ou "que tem uma boa proposta para a minha classe", "que me prometeu..." ou o que tem a musiquinha mais irritante que gruda na mente como um post-it. Horizonte estreito, esse.
Há quem vote até no "mais bonito" - nessa hora só chorando mesmo. O ridículo do horário eleitoral reflete o ridículo da sociedade a qual pertencemos.

Votar passou a ser um jogo onde o eleitorado virou rebanho, em que a sociedade brasileira sempre perde e transforma a nação em pasto.
Anular, votar em branco, vender voto, votar defendendo interesses pessoais...isso não é protestar contra o sistema ou o status quo. Isso é atestar incompetência cidadã.
Se eu não voto não posso reclamar de absolutamente nada porque quem não tem voz não fala.
A única forma de votar certo é votar em alguém que se aproxime do que você imagina ser melhor (para o bem comum, não o seu apenas). Não se deixe enganar por forças de partidos, por pesquisa. Protestar é agir contra o estado atual das coisas. Voto nulo e branco são votos de silêncio que enchem as urnas de vento.

Faça sua escolha com base na pessoa, não no partido, nas estatísticas. O candidato ideal não existe mas existem planos de governo concretos e que podemos cobrar. A sociedade é formada por pessoas e deve ser governada por pessoas, pensamentos, ações e idéias consistentes. A corrente viciada de um sistema corrompido precisa ser quebrada. O despertador está tocando! Se parte da sociedade ganha, mudará o bolo mas permanecerão as mesmas moscas. Se a sociedade como um todo cresce todos ganham. Hora de fechar a fábrica de pobreza, dependência e comodismo. O eleitor precisa parar de ladrar feito um cão atrás de um portão velho e assumir o seu papel como responsável pelos acontecimentos ao invés de se deixar cegar por promessas de governo paternalistas com soluções à curto prazo que não resolvem os principais problemas das comunidades. Pessoas morreram para que hoje seja possível votar. Não podemos desvalorizar esse sacrifício. Reclamar do vento é cômodo. Assumir a responsabilidade pela posição das velas requer atitude, trabalho e coragem.
Boa semana. Seguem hoje dois vídeos curtos que acho excelentes: