quarta-feira, 26 de março de 2014

Cortesias do diabo


POR QUÊ NASCEMOS?

De imediato, pode ser que venha à mente de muitos algum clichê como "para cumprir minha missão na Terra", ou talvez "para cumprir um propósito de Deus", mesmo sem saber ao certo o que isso signifique. Respostas consoladoras. Os menos otimistas podem dizer que nasceram por acidente do destino e, se mais rebeldes, fazer uso das palavras de Chico Buarque em Partido Alto: "Jesus Cristo ainda me paga/Um dia ainda me explica/Como é que pôs no mundo essa pobre titica(...)"

Alguns sábios recorrem à pérola: "Para aprender ".

Errado.

O aprendizado é consequência, não causa. Aprendemos conforme nos dispomos e nos expomos à isso. Costumava dizer aos meus alunos que poderiam estar estudando na melhor universidade do planeta e aprender menos do que um aluno de uma escola em alguma periferia de país subdesenvolvido. A capacidade de aprendizado depende muito mais da disposição de querer e buscar aprender do que do conhecimento que seja oferecido à nós. 


Nossas verdades podem nos cegar, nos fechar para o que realmente acontece à nossa volta. Para tudo o que fazemos há uma razão consciente, um motivo manifesto que usamos como justificativa, e uma razão real, mais profunda e, não raro, oculta (intencionalmente ou não).

Madrugada, pouco mais de 3 horas da manhã e desperto com um "download" de frases e imagens que ficam surgindo de forma fragmentada em minha mente, de modo que por algum tempo fico buscando entender se estou sonhando ou se estou acordada. O processo só acalma quando me rendo, levanto e vou escrever.


Ecoando em meu surto, a pergunta: Por quê nascemos? Em "flashes", muitas imagens, sons, cenas históricas, trechos de músicas.

Há um ponto de convergência que une a resposta dada a essa pergunta por todas as doutrinas, crenças, religiões e teorias, um ponto onde a ciência e a fé se encontram e onde uma corrobora a outra. Uma resposta clara, explícita, objetiva e abrangente: enquanto todos os outros seres vivos surgiram com a capacidade de adaptar-se ao mundo e ao ambiente, a espécie humana nasceu com a capacidade de transformar e adaptar o mundo à sua presença. O homem nasceu para dominar sobre as demais espécies.

Mas o quê isso significa realmente?

 Abraham Lincoln disse que " Todos os homens são capazes de vencer a adversidade, mas se quiser conhecer o caráter de uma pessoa, dê poder à ela". Ele estava muito certo. Ao perceber-se dominante sobre as demais espécies, o "bicho" homem divinizou a si mesmo e sucumbiu à própria arrogância. À isso os gregos chamavam "cair em hibris", significando desequilíbrio entre razão e emoção. Sim, na antiga Grécia já existia o "coaching" em inteligência emocional. A natureza híbrida do homem, sua dualidade divino/carnal, santo/pecador, yin/yang, luz/escuridão, escolha o termo que quiser, levou à uma grosseira distorção desse significado desde o princípio, distorção essa que estendeu seus braços até os nossos dias. É pura arrogância a pretensão humana de controlar a sua "realidade"quando não controla nem a si mesmo. Dominar sobre as demais espécies foi erroneamente interpretado como dominar o mundo. Foi aí que nos perdemos, provando a maçã de nossa perdição.. 

Ao longo de sua história, a humanidade tem sido movida pela necessidade de sobrevivência, poder, fome, poder, preservação da espécie, poder, tecnologia, poder, exploração de recursos, poder, domínio e mais poder.

Ora, o domínio sem zelo é inútil. Por isso sucumbiram impérios políticos e empresariais, sistemas de governo, reis e civilizações inteiras. Por isso caem e ainda cairão muitos poderosos, influentes, gurus e ídolos. O sentido primeiro do domínio do homem estava na responsabilidade de zelar, de aprimorar, mas a distorção do caráter humano baseou-o nas relações de poder. Cortesia do diabo que o homem abriga em si nas nuances deformadas da alma. 

Como isso nos atinge e influencia a razão pela qual cada um de nós, em um âmbito mais pessoal, nasceu?
Somos à um só tempo resultante e espelho da história comum a toda a humanidade. A razão pela qual eu e você nascemos é, portanto, transformar com zelo o mundo que nos cerca e nosso mundo interior, de modo a tornar nossa jornada aqui uma experiência relevante para os que andam conosco, para nós mesmos e deixando como legado um mundo aprimorado para os que vierem depois de nós através de nossa busca individual por equilíbrio, por coerência com a luz. É uma simples equação: ser melhor + fazer melhor x discernimento = crescimento + sabedoria .  Precisamos entender que nosso nascimento não é um fim, uma determinação apenas, é um ponto de transição entre uma essência anterior e o que nos tornamos em um continuum, uma espiral evolutiva conectada com um universo de possibilidades determinadas pela qualidade e natureza de nossas escolhas . O sentido da vida é ela própria, o objetivo de estarmos aqui é a nossa trajetória, nosso fim não é uma meta, mas o próprio processo que vivenciamos. Pode ser mais confortável basear a sua razão de viver em um propósito de aprendizado simplista baseado em ações e reações, resgates ou punições, ou de uma missão voluntária ou que lhe foi atribuída. Mas quero lhe desafiar a algo maior, algo condizente com a necessidade deste nosso tempo: Uma existência de transformação mútua e consciente combinada com uma atitude de domínio zeloso de si, da história e do mundo. O aprendizado e a evolução virão como consequência mas, além destes, o legado edificado sobre  um andar participativo, responsável, forte o suficiente para assumir o seu lugar como alguém que nasceu para estar vivo de fato, não apenas para existir como uma atração de zoológico que se ocupa apenas das próprias necessidades básicas em um universo restrito, um ambiente que apenas imita a realidade que há além das cercas, um "Matrix".

Somos seres em transformação com a capacidade de transformar. Cada um de nós nasceu para modificar positivamente o que nos cerca e à nós mesmos de forma constante, de modo que sua participação individual seja um elo forte a contribuir com uma rede universal que transcende o "eu " e viabiliza a sustentação e a saúde de toda uma existência muito além da nossa limitada e humana compreensão. Vai além de uma missão ou aprendizado apenas: a vida não é uma viagem de trem, é a travessia de um oceano à nado. Um mistério a desvendar e um desafio ao mesmo tempo. É estar fora de seu elemento de conforto e, dominando-o, zelar por ele com diligente dedicação. Isto é uma escolha pessoal que pode ser feita agora.Como você está exercendo seu domínio hoje? O quê e como você tem transformado o que o cerca e a si mesmo? Que meios está utilizando para chegar a seus fins? Como (e se) enfrenta o desafio de mudar situações em sua vida que estão em desequilíbrio? Qual o verdadeiro motivo por trás das suas decisões? O que realmente sustenta sua fé? Como você confronta o seu "diabo" interior? Se você não consegue dominá-lo, estará aceitando as cortesias dele.

Segue o vídeo deste post: