domingo, 21 de junho de 2015

Agora. Você Pode.

Agora. Você pode.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

São Jorge e a Garrafa Pet

Passando por uma esquina, o papeleiro se deparou com um amontoado de  lixo depositado em uma calçada. Andou mais um pouco e, “estacionando” seu carrinho, pôs-se a vasculhar o lixo que algum cidadão “caridoso” havia deixado ali para “ alguém”.  Ele selecionava as sacolas plásticas e os objetos como se fossem  frutas em um mercado. À certa altura, encontrou algumas garrafas PET perdidas no meio daquele entulho. Colocou-as no carrinho e, vendo que em uma delas havia um resto de alguma bebida, abriu, cheirou o conteúdo e, então, bebeu. Colocou mais algumas coisas no carrinho e seguiu em frente. Testemunhar aquela cena me trouxe à mente uma profusão de pensamentos e sensações.

Após uma inicial revolta interior pela indignidade humana, pelo descaso com o ambiente e todas as emoções relacionadas aos fatos sociais aos quais nos habituamos a ver diariamente e acabamos absorvendo com sendo comuns e “normais”, sobreveio um pensamento: Quando se tem muita sede, todo o líquido é precioso. Como naqueles filmes que ilustram situações extremas de luta pela sobrevivência.

Este contexto extremo me  levou ao momento muitas vezes extremo que leva as pessoas a atravessar a porta do meu consultório: situações limite, a procrastinação que levou a situação ao nível insuportável, desespero, a hora do tudo ou nada.

Somos todos papeleiros que, em algum momento da vida, passaremos por uma “sede“ insuportável. Neste ponto estaremos vulneráveis e dispostos a beber qualquer líquido, ainda que impróprio para consumo. É nesse momento que precisamos escolher quem queremos ser de fato.
Alguns vão preferir procurar no lixo a fazer sacrifícios para trocar o carrinho de papeleiro por uma Ferrari. Só irão buscar ajuda e valorizar essa ajuda quando sua arrogante convicção de que têm toda a água de que precisam e que esta será sempre suficiente para saciar sua sede evaporar com a água que pensavam ser eterna. Esquecem que copos cheios não recebem água fresca. Pior que isso, querem uma ajuda que não requeira sacrifícios na ilusão de que outros resolverão o que cabe à si. Preferem pagar para aliviar a culpa na ilusão de estar fazendo alguma coisa para melhorar a situação ao investir em sua própria capacidade de realização.
Ao confrontarem seus dragões, preferem gritar por um “São Jorge” disponível que prometa matar a besta com um só arremesso de lança.

É lugar comum admitir que algumas pessoas são mais fortes do que outras, assim como aceitamos como normal e aceitável ver um papeleiro mexer no lixo em uma equina. Assim, o mundo se divide entre os fortes e os fracos, os espertos e os idiotas, as vítimas, os dragões e os “São Jorges”.

Nessa história toda, prefiro ser a garrafa PET. A garrafa pet é moldável, o calor das chamas dos dragões não destrói sua essência, podendo das chamas transformar-se em muitas coisas novas, com múltiplas utilidades. A invencível garrafa PET, que mesmo ao degradar-se no ambiente, em um longo processo de mais de 400 anos de duração, mesmo após existir como garrafa deixa em suas moléculas a marca dos elementos que a compõem. Garrafa PET, o “tesouro” do papeleiro. Garrafa PET não precisa gritar por um São Jorge porque não teme o fogo dos dragões.

Porém, ser garrafa PET é uma escolha. Requer um processo de fabricação e uma elaborada composição química. Mas é melhor do que temer dragões ou depender de um São Jorge disponível que não erre o arremesso de sua única lança (que pode nos atingir e matar).


O mundo não é feito de fracos e fortes, espertos e idiotas, vítimas e dragões, “São Jorges” e lanças: O mundo é feito de papeleiros e garrafas PET.