“Liberdade,
liberdade, abre as asas sobre nós”
(Samba enredo da
escola Imperatriz Leopoldinense – 1989)
Mãos com luvas
sujas, aplicando uma massa na estrutura da pia da cozinha para consertar uma
infiltração. As instruções na
embalagem orientavam: Cura total
do produto em 7 dias. Só poderia
usar a pia apropriadamente após a cura.
A liberdade tem
asas. Também Nice (Niké em Grego – que inspirou a marca famosa de tênis), a
deusa da vitória que ornava o troféu original das Copas do Mundo, a Taça Jules
Rimet, era representada com asas. A
estátua da Vitória de Samotrácia, no Museu do Louvre, está sem cabeça – mas
ainda tem as grandes asas. Só que essas asas têm um preço.
Quem é
verdadeiramente livre, se vivemos atrelados à tantas dependências externas? O quê
nos torna livres quando há tanta vigilância e violência, quando nossas
necessidades são ditadas pela mídia e os sistemas sociais falham?
Quem é livre sem
ser líder?
Há quem afirme que
a verdadeira liberdade está no reino dos céus. Porém, é impossível entrar nesse
reino sem antes entrar em si mesmo. Mas como isso funciona?
Somos prisioneiros
da clausura de nossos medos, algemados em nossos traumas e acorrentados aos
grilhões da ignorância.
Culpamos as
agruras da vida pelo nosso aprisionamento. É essencial acordar desse torpor e
vislumbrar o real cenário: Nenhuma desventura acaba com você - apenas o
transforma para melhor ou pior. Essa transformação é inevitável e seu resultado
depende do modo como você se coloca diante do desafio dessa mudança: Busca uma
zona de conforto (desculpa)? Se
sente injustiçado (vítima)? Enfia
a cabeça em um buraco e finge que nada está acontecendo? Culpa alguém pela
frustração acumulada por você? Segue em frente e espera que o tempo ou alguém
apareça com a solução que você
precisa elaborar?
Ainda que se sofra
física e emocionalmente, todo o flagelo pode ser aliviado pela compreensão e
pela visão clara do cenário que é maior que o nosso contexto pessoal limitado.
Não que devamos aceitar tais flagelos passivamente, mas é preciso entender os
mecanismos que os causam administrando seus efeitos de modo a torná-los produtivos, agindo para obter
uma cura mais profunda para as enfermidades, físicas ou não, que afetam nossa
vida. “Para todo o mal há cura” diz a letra da música de Lulu Santos.
Cura abrange sentidos
bem amplos: pode ser a cura de uma situação infrutífera, insatisfatória, ou de
uma doença física, psicológica ou emocional, vencendo o mal que aflige o ser
(olha a vitória aí de novo…). Na culinária a cura é o processo de preservação
de certos alimentos e o aprimoramento do sabor. Já na química, cura é a reação
de endurecimento de um material tornando-o mais resistente. Em qualquer desses
sentidos, a cura é a liberação para usufruir. Como a pia da minha cozinha, que
não vaza mais.
Da mesma forma o
termo “são”: Conjuga o Ser na 3.ª pessoa do plural (o ser
coletivo – que faz parte de um todo), define o que tem saúde, o que é inteiro,
sensato, ou é o diminutivo de santo.
A cura nos torna
sãos, nos faz melhores sanando o vazamento que desperdiça energia. A cura liberta não apenas da doença, mas da estagnação
que gera a falsa sensação de segurança e a ilusão de satisfação. A cura é uma
escolha desconfortável.
O agente que
definirá o suporte desse processo de cura chama-se psique (do
grego psychḗ), cujo significado é sopro, alma, aquilo que nos define
intimamente. Já na antiga Grécia a psique era frequentemente representada na
forma de uma borboleta, a metáfora da imortalidade da alma através dos ciclos,
que após uma existência rastejante como lagarta é capaz de ressurgir de si
mesma e gozar a liberdade (e com asas ! ). São as asas dessa borboleta que nos
possibilitarão o vôo da liberdade tornando-nos vitoriosos sobre nós mesmos.
O aprimoramento pelas lições da alma possibilita a
verdadeira e profunda mudança, é o catalizador da cura. É uma medicação com
efeitos à longo prazo, obtidos pela dança voluntária com as nossas dores, ainda
que os pés estejam feridos. Eles terão descanso quando você parar de rastejar e
adquirir suas asas.
É preciso que se queira passar pelo doloroso
processo de cura operando as ações que sejam requeridas para concluí-lo. É
preciso vontade e força para deixar o casulo, livrando-se das algemas para
abrir os braços e receber asas capazes de voar.
Evidentemente é preciso que haja transformação e movimento
para que a cura ocorra possibilitando evolução, mas o que é óbvio para uns nem
sempre é ululante para outros e há que se conviver com isso.
Contudo, a inegável verdade é que sem cura, não há
asas. Sem asas, não há liberdade e sem liberdade não existe vitória.
Considero o vídeo deste post um dos mais especiais :
https://www.youtube.com/watch?v=OIvHSiIEpc4
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