terça-feira, 3 de junho de 2014

Samba do Vazamento




“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”
(Samba enredo da escola Imperatriz Leopoldinense – 1989)

Mãos com luvas sujas, aplicando uma massa na estrutura da pia da cozinha para consertar uma infiltração.  As instruções na embalagem  orientavam: Cura total do produto em 7 dias.  Só poderia usar a pia apropriadamente após a cura.

A liberdade tem asas. Também Nice (Niké em Grego – que inspirou a marca famosa de tênis), a deusa da vitória que ornava o troféu original das Copas do Mundo, a Taça Jules Rimet, era representada com asas.  A estátua da Vitória de Samotrácia, no Museu do Louvre, está sem cabeça – mas ainda tem as grandes asas. Só que essas asas têm um preço.

Quem é verdadeiramente livre, se vivemos atrelados à tantas dependências externas? O quê nos torna livres quando há tanta vigilância e violência, quando nossas necessidades são ditadas pela mídia e os sistemas sociais falham?

Quem é livre sem ser líder? 

Há quem afirme que a verdadeira liberdade está no reino dos céus. Porém, é impossível entrar nesse reino sem antes entrar em si mesmo. Mas como isso funciona?

Somos prisioneiros da clausura de nossos medos, algemados em nossos traumas e acorrentados aos grilhões da ignorância.

Culpamos as agruras da vida pelo nosso aprisionamento. É essencial acordar desse torpor e vislumbrar o real cenário: Nenhuma desventura acaba com você - apenas o transforma para melhor ou pior. Essa transformação é inevitável e seu resultado depende do modo como você se coloca diante do desafio dessa mudança: Busca uma zona de conforto (desculpa)?  Se sente injustiçado (vítima)?  Enfia a cabeça em um buraco e finge que nada está acontecendo? Culpa alguém pela frustração acumulada por você? Segue em frente e espera que o tempo ou alguém apareça com a solução que você precisa elaborar?

Ainda que se sofra física e emocionalmente, todo o flagelo pode ser aliviado pela compreensão e pela visão clara do cenário que é maior que o nosso contexto pessoal limitado. Não que devamos aceitar tais flagelos passivamente, mas é preciso entender os mecanismos que os causam administrando  seus efeitos de modo a torná-los produtivos, agindo para obter uma cura mais profunda para as enfermidades, físicas ou não, que afetam nossa vida. “Para todo o mal há cura” diz a letra da música de Lulu Santos.

Cura abrange sentidos bem amplos: pode ser a cura de uma situação infrutífera, insatisfatória, ou de uma doença física, psicológica ou emocional, vencendo o mal que aflige o ser (olha a vitória aí de novo…). Na culinária a cura é o processo de preservação de certos alimentos e o aprimoramento do sabor. Já na química, cura é a reação de endurecimento de um material tornando-o mais resistente. Em qualquer desses sentidos, a cura é a liberação para usufruir. Como a pia da minha cozinha, que não vaza mais.

Da mesma forma o termo “são”: Conjuga o Ser na 3 pessoa do plural (o ser coletivo – que faz parte de um todo), define o que tem saúde, o que é inteiro, sensato, ou é o diminutivo de santo.

A cura nos torna sãos, nos faz melhores sanando o vazamento que desperdiça energia. A cura liberta não apenas da doença, mas da estagnação que gera a falsa sensação de segurança e a ilusão de satisfação. A cura é uma escolha desconfortável.

O agente que definirá o suporte desse processo de cura chama-se psique (do grego psych), cujo significado é sopro, alma, aquilo que nos define intimamente. Já na antiga Grécia a psique era frequentemente representada na forma de uma borboleta, a metáfora da imortalidade da alma através dos ciclos, que após uma existência rastejante como lagarta é capaz de ressurgir de si mesma e gozar a liberdade (e com asas ! ). São as asas dessa borboleta que nos possibilitarão o vôo da liberdade tornando-nos vitoriosos sobre nós mesmos.

O aprimoramento pelas lições da alma possibilita a verdadeira e profunda mudança, é o catalizador da cura. É uma medicação com efeitos à longo prazo, obtidos pela dança voluntária com as nossas dores, ainda que os pés estejam feridos. Eles terão descanso quando você parar de rastejar e adquirir suas asas.

É preciso que se queira passar pelo doloroso processo de cura operando as ações que sejam requeridas para concluí-lo. É preciso vontade e força para deixar o casulo, livrando-se das algemas para abrir os braços e receber  asas  capazes de voar.

Evidentemente é preciso que haja transformação e movimento para que a cura ocorra possibilitando evolução, mas o que é óbvio para uns nem sempre é ululante para outros e há que se conviver com isso.

Contudo, a inegável verdade é que sem cura, não há asas. Sem asas, não há liberdade e sem liberdade não existe vitória.

Considero o vídeo deste post um dos mais especiais :
https://www.youtube.com/watch?v=OIvHSiIEpc4







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