quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Dias de Rubião





Na profusão de manifestações que compõem o cenário após a reeleição de Dilma Rousseff ao cargo de presidente da república, parece claro que nos falta, como povo, maturidade e discernimento para compreender nosso papel.

De um lado, extremistas fanáticos exercendo uma militância cega e doentia que os incapacita ao exercício do bom senso. De outro, a arrogância intolerante dos que se julgam defensores de uma Pátria pela qual não foram instituídos salvadores pelo próprio sacrifício.

Política saudável não se pratica com guerrilha de verdades absolutas, se legitima com o conhecimento da história e daquilo que nos atribui identidade enquanto povo que compartilha esta história comum.

Vivemos, assim, dias de Rubião. Não posso deixar de recordar este célebre personagem de Machado de Assis que, ao final da vida, relembra o ensinamento Humanitista de Quincas Borba: "Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas". Nestas últimas eleições, o vencedor e o vencido ainda não se definiram. E explico:

Numa sociedade submersa em valores corruptos como a nossa, o eleitor não contava com candidatos que pudessem validar o voto pela veracidade de seu discurso ou mesmo por seu comprometimento. Credibilidade não é moeda corrente em nossa realidade política. Os ataques entre candidaturas provaram que o eleitor não estava depositando confiança no melhor candidato mas estava cumprindo o dever obrigatório de votar no “menor estrago”.

Após o resultado do processo eletivo, a “Guerra” se estende de ambos os lados com artilharias de preconceito, ignorância, estupidez e imaturidade cívica.
Precisamos, agora, depositar nossa força enquanto povo no verdadeiro resultado deste processo eletivo que ainda não se definiu - quem será vencedor: o povo brasileiro, que optará pelo amadurecimento e por assumir a responsabilidade enquanto fiscal legítimo do poder, ou optará pelas batatas cruas e indigestas, dando vitória a divisão e ao poder corrupto que sabiamente tem utilizado a contrainformação e a desinformação para que, sem foco no verdadeiro inimigo, a sociedade deste país permaneça inerte e alheia ao que possui real valor de debate.

Conheço muitos lugares deste mundo, muitos deles mais desenvolvidos que o Brasil, outros menos. Em todos eles há pessoas esclarecidas e pessoas ignorantes, pessoas lúcidas e pessoas sem consciência. Acusar é fácil e muito cômodo. Difícil é perguntar: O quê EU tenho feito para contribuir com o meu país?
Sou nascida no Rio Grande do Sul, moro em chão nordestino e isso me faz brasileira, terra à qual pretendo honrar com trabalho digno, humildade de conduta e clareza de consciência, livre de visões estreitas que me impeçam de fazer parte dessa comunidade chamada…Universo!



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Encontros Noturnos



Há muitas formas de momentos difíceis na vida.
Eles podem se apresentar como uma enfermidade, uma perda financeira ou emocional, um desentendimento, más notícias, intrigas, a “traição” da confiança ou a frustração das expectativas depositadas em alguém ou em alguma situação, qualquer obstáculo que exija a superação de limitações  que tenhamos.

Experimentei vários desses momentos, como qualquer outra pessoa. Após esses enfrentamentos, guardei uma das lições que acredito ser das mais importantes que aprendi na vida:  a de que não devemos medir a dificuldade pelo tamanho do obstáculo, e sim pela nossa motivação em enfrentá-lo. Não sob o enfoque abordado nos livros de autoajuda, segredo do sucesso, essas coisas. Me refiro a algo mais íntimo e profundo, provavelmente incompreensível para muitos: falo no sentido de resistir à dor que os processos dessa natureza provocam e de que não há analgésico mais potente do que a motivação.

Os momentos de dificuldade e desafios provocam efeitos colaterais bastante incômodos, dolorosos e angustiantes. Como o  medo, que acredito ser um dos mais intensos: medo de falhar, de não ser bom o bastante,  medo das dores vindouras, da navalha das críticas, medo da incapacidade de controlar as consequências (controlar? Ora, vamos combinar...), medo do incerto, medo dos fantasmas e seus olhares ameaçadores.

A bruma do medo cobre as estrelas tornando a noite escura e desnorteada, nos deixando às cegas e à mercê do pânico. Quando me deparo com esses momentos, deixo minha consciência “respirar” lembrando que a única maneira de livrar-me dos fantasmas é acendendo a luz da confiança que liberta, que me lembra do fato incontestável de que o aprendizado anula as perdas ( “Em todo o trabalho há proveito”...). 
A essa luz eu chamo fé. Não a fé propagada em templos, não a fé das religiões, mas a fé de quem sorri diante das negativas da vida.

Não que eu não tenha questionamentos espirituais íntimos e intensos e possua uma fé inabalável. Nenhum ser humano é inabalável. Vivo minhas batalhas interiores, titubeio no caminho, tenho momentos de fraqueza  e isso me ajuda a reconhecer os traços da minha identidade: são minhas falhas e não há porquê me envergonhar delas.

É justamente aí que olho para dentro. Na minha noite interior, em uma dimensão que conecta  meu íntimo com o universo e com Deus, consciente do fractal que sou desse universo, dessa rede maior, sinto aquecer a luz da minha fé como se alguém trouxesse em meio à um caminho escuro uma candeia e me entregasse,  acendendo estrelas em meu espírito e permitindo que eu perceba uma infinitude de possibilidades e escolhas que estão lá, à minha espera, onde antes haviam fantasmas. Quais as opções certas? Não há. Tudo é incerto. As coisas vão se definindo à medida em que se desenham os traços ousando além do que era mero esboço. É preciso fazer escolhas e investir nelas. Assumi-las.

Há escolhas melhores, há escolhas ruins, mas no final das contas o que importa mais é como enfrentamos cada escolha. Medo não é fraqueza – indecisão sim. Questionar a fé não é sentença de morte – acomodação sim.  Mudar não é perigoso – procrastinar sim. Vitória depende do ponto de vista...e da atitude.

Tenho vivido desafios. Tenho tido medo e visto fantasmas.Tenho feito escolhas.

Só que desta vez  algo mais está acontecendo porque não estou olhando pra dentro em busca de uma candeia para aquecer a luz da minha fé. Por alguma razão não estou preocupada com meus fantasmas, que parecem não me perturbar mais, ou pelo menos não da mesma forma ou com a mesma intensidade de antes. Dessa vez meu “primeiro instinto”, se é que posso definir assim,  é de compartilhar essa candeia com outras pessoas. Não por altruísmo, não. É apenas porque, depois de tantos medos, tombos, falhas e superações, parei para olhar as fotos dessa minha viagem e lá estavam outras pessoas. Vi que os fantasmas que lhes causavam medo eram semelhantes aos que eu via e, portanto, a candeia que tanto me serviu poderia lhes ser útil. Livrando essas pessoas de seus fantasmas ameaçadores meu caminho fica mais iluminado porque, como vi nas fotos, em muitos trechos nossa trilha é compartilhada.

Quanto ao que machucou, deixo para trás, para o pó das pedras que ultrapassei pois meu olhar se ocupa do horizonte, não da nuca. A liberdade é o privilégio dos imortais e uma vez que transcendemos para a eternidade toda a tribulação contribui para o engrandecimento da jornada. O fim não existe mais. Toda a perda se torna mera transformação e entendemos, finalmente, o real significado de fazer parte.



terça-feira, 15 de julho de 2014

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Cara da Riqueza



Em algum salão de beleza, um profissional de madeixas joga para o alto e para os lados o remanescente do que já foi a cabeleira de uma senhora:

“- AAAfff! Tá a cara da riqueza!!”. Satisfeita, a cliente vira a cabeça para um lado e para outro com olhar fixo no espelho enquanto toca com mãos espalmadas as pontas dos cabelos: “- Temos que investir na gente, né querido?”
 Beijos no ar, acerta a conta no caixa e um “-Até a semana que vem!”
O que esta dama faceira, o vale da morte do Salmo bíblico e a cultura espanhola têm em comum?
No conhecido Salmo 23, lemos “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.”

Durante os 36 dias de caminhada até Santiago de Compostela, na Espanha, também usei um cajado que me serviu (valeu) de apoio muitas vezes, e sempre que aceitava ou concordava com alguma coisa a expressão em espanhol utilizada era  ¡Vale!”.
Em todos os casos estão sendo atribuídos valores a uma experiência. Andar por um vale é atravessar uma região (ou um momento) onde estamos numa posição mais baixa que as montanhas ao redor, que nos impedem de ver além do horizonte que nos cerca com muros rochosos. Segundo o salmista, os medos e incertezas desta situação são compensados pelo valor do cajado e do suporte que ele proporciona para chegarmos bem sucedidos ao final da travessia. A travessia dos vales colocam à prova o valor do peregrino (e também os valores que o sustentam).

Ao usar a expressão ¡Vale!”, na Espanha, a aceitação e concordância agregadas a ela contém a mensagem subliminar de que aquilo que está em questão é valorizado.
Valor é uma propriedade atribuída àquilo que vale investimento de recurso financeiro, tempo ou dedicação.

No sistema sobre o qual se estabelece nossa civilização, praticamente tudo é “precificável”. No entanto, atribuir valor é hoje uma tarefa frequentemente mal compreendida. Não raro o valor de uma pessoa no “mercado social”é atribuído conforme seu poder de compra.

Quanto você vale?

   Ao usar a expressão “A cara da riqueza”, o cabeleireiro quis elogiar a cliente, associando sua imagem a algo caro e que, portanto, deve ter alto valor. Ao ver sua imagem melhorada esteticamente, a cliente entende que adquiriu mais valor com a nova imagem, agregando a si, indiretamente, o custo do serviço. Entretanto, há algumas questões aqui que merecem ser analisadas (vale investir nisso).

Valores mais altos são atribuídos a coisas raras ou feitas com materiais considerados “nobres”. Assim, por essa lógica, maior valor ou maior custo seria sinônimo de maior qualidade. Sabemos que essa não é uma regra exata, nem mesmo proporcional.

Por outro lado, ao investir em sua imagem a cliente entendeu que investiu em si mesma. Investir na imagem é muito importante, pois interfere diretamente em questões profundas da personalidade e da auto-estima. Sua imagem deve refletir e valorizar quem você é.
Porém, como eu disse, a imagem reflete, não “é”. Quando você vê sua imagem no espelho vê seu reflexo. Aquela é uma imagem projetada, não é você. Assim, quando a feliz dama escovada afirma que investiu em si mesma, investiu na imagem, não no ser.

Da mesma forma, quando você sai com amigos, vai a festas, faz um passeio, está investindo em lazer, não em você.

Dedicar-se ao cuidado com a imagem, usufruir do lazer, adquirir bens, são ações úteis, importantes e necessárias, mas aqui a ordem dos fatores interfere no resultado. Se não houver boa sustentação tudo vai ruir na primeira chuva e esse investimento não vai servir nem como remédio para a ressaca resultante. A  “cara da riqueza” vai beijar o chão.

Investir em você é investir tempo, dedicação e recursos em algo que agregue valor ao “ser”, ao aperfeiçoamento da mente, do espírito, da personalidade. Isso é o que nos define verdadeiramente. Este é o único valor que permanecerá com você por toda a sua existência. Todo o resto é efêmero. Todo o resto é reflexo. Sem investir nisso em primeiro lugar, todo o investimento paralelo é desperdiçado. Quando você se arruma diante do espelho, você vê transformar-se a imagem refletida nele a partir de seus gestos, não o contrário, salvo no caso em que alguém por algum motivo prefira pentear o espelho e não os próprios cabelos. Ainda assim, a imagem no espelho não vai mudar se a mudança não ocorrer em você.

Apesar disso, quanto você direciona em energia e recursos para investir em você, realmente? Na maioria dos casos, aplica-se tempo, dinheiro e dedicação ao lazer e à imagem no equívoco de estar investindo em si mesmo. Você é o resultado do investimento que faz no seu “ser”. Se o “ser”  cresce, amplia e aprofunda, isso vai refletir em tudo ao redor e haverá mais aspectos positivos a ser refletidos na imagem. O lazer também terá outro significado, deixando de suprir carências ou ser um momento de extravasar pressões com as quais não se sabe lidar para tornar-se o compartilhamento do “ser” feliz e realizado. O profissional será mais equilibrado, produtivo e eficaz pois conhecerá seu potencial. As relações afetivas e interpessoais serão mais geridas pelo suporte mútuo e pelas parcerias em vez da projeção de frustrações e cobranças. Sem um interior saudável tudo ao redor se contamina.

Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós um valor eterno que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno.” ( 2 Cor 4:16-18 )

Investir em você? ¡Vale!”


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Luzes Pálidas



Gosto de montar quebra-cabeças. Ver os fragmentos da desconstrução revelando o que estava oculto. É a oportunidade de descobrir detalhes que a contemplação da figura inteira não evidenciava.

Lembro de um que ganhei quando criança, tinha poucas peças, com a imagem de Branca de Neve e os sete anões.  Outra coisa de que gostava era assistir as comédias de Jerry Lewis  que volta e meia passavam na televisão (e que já eram antigos naquela época), enquanto comia pipoca.
Toda a criança se sente atraída por guloseima, comédia e desenho animado…e costumam não gostar do escuro.

Verdade é que, ao assistir Branca de Neve pela primeira vez, fiquei branca também – de medo.  Fiquei aterrorizada com os olhos daquela rainha má, me encarando das profundezas de uma TV à válvula. A coisa toda piorou ao ver a pobre princesa correndo desembestada na floresta escura ameaçada pelas árvores, sombras e olhos de coruja, fugindo do caçador que recebera ordens da rainha para arrancar-lhe o coração. História para crianças sobre uma psicopata narcisista, assassina devoradora de órgãos humanos?

Os contos de Perrault e de Grimm não revelam universos infantis. Não são apenas contos, são também quebra-cabeças. O Gato de Botas, com sua estratégia pouco ortodoxa e politicamente questionável de ascensão social, Chapeuzinho Vermelho, com uma descrição detalhada do lobo devorando uma velhinha com requintes que deixariam Hannibal Lecter com inveja (com direito a sangue engarrafado e tudo), ou Branca de Neve…

Segundo o pesquisador Eckhard Sander, os Irmãos Grimm encontraram uma contadora de estórias chamada Marie Hassenpflug, trezentos anos após o ocorrido com Margaretha von Waldeck, assassinada na Bélgica. Muito bonita e de pele muito clara, viveu com os pais, os Condes de Waldeck, no século XVI, no castelo que ficava em Bad Windugen, na Alemanha, onde cerca de 78 pessoas foram julgadas pela inquisição entre 1532 e 1664. A região, cercada por sete montanhas, tinha na mineração uma de suas principais atividades, o que causou problemas de crescimento em muitas crianças que trabalhavam nas minas. A mãe de Margaretha morreu pouco tempo após o parto do 11º filho, quando ela tinha 4 anos de idade. Cerca de dois anos depois seu pai casou-se com Katharina von Hatzfeld (a madrasta).
Ainda jovem, Margaretha foi enviada para Bruxelas (a floresta), na Bélgica. Em meio a intrigas envolvendo Filipe II de Espanha e uma contenda política na corte, a moça morreu envenenada por arsênico aos 21 anos, em 13 de março de 1554.

Na versão dos irmãos Grimm, Branca de Neve sofre quatro tentativas de assassinato: na primeira, a rainha envia o caçador e ordena que ele lhe traga o fígado e os pulmões da menina para posteriormente comê-los (uma prática comum em algumas culturas desde a antiguidade, visando absorver a força de quem é consumido). Nas outras tentativas a ingênua Branca de Neve acaba se deixando seduzir pela conversa da bruxa, sendo salva pelos anões, até que na quarta vez ela acaba “morrendo” engasgada ao morder a maçã (e ela nem estava no Éden…). A moça é colocada então em um caixão de vidro, sendo velada pelos anões, por uma coruja e, na sequencia, um corvo e uma pomba.
Ao fugir para a floresta, Branca de Neve adentrou a escuridão do desconhecido, conhecendo uma nova realidade além da proteção do castelo, mas foi preciso um trauma para que esse movimento acontecesse. Conforme vai descobrindo as nuances do espírito humano (os sete anões, a bruxa) e deparando-se com a realidade ameaçadora, a inoscência infantil de quem vive no imediatismo vai dando lugar ao entendimento, adquirindo conhecimento. Porém, para adquirir conhecimento é preciso “morrer”. É preciso desapegar do ser anterior, absorver o conhecimento adquirido (no recolhimento, casulo ou caixão de vidro), para então despertar para a vida com um novo olhar para trilhar novos caminhos para novos destinos. A sequencia coruja, corvo e pomba trazem a simbologia do processo ilustrando o ciclo: a coruja, um animal da noite, simbolizando o conhecimento racional e intuitivo, a sabedoria. O Corvo, um símbolo de solidão, cura e morte. Por fim, a pomba – paz, liberdade e renascimento.
Vencer a escuridão e a morte não é um convite atrativo, mas é um desafio necessário para os que buscam o conhecimento que traz paz e liberdade, algo que a inoscência infantil, do querer a satisfação das necessidades imediatas, não nos permite alcançar. 
Contos, fadas, bruxas e espadas. À noite somem as flores, para prestarmos atenção às estrelas.
Afinal as luzes, na claridade, são pálidas.
Vídeo deste post: 

terça-feira, 3 de junho de 2014

Samba do Vazamento




“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”
(Samba enredo da escola Imperatriz Leopoldinense – 1989)

Mãos com luvas sujas, aplicando uma massa na estrutura da pia da cozinha para consertar uma infiltração.  As instruções na embalagem  orientavam: Cura total do produto em 7 dias.  Só poderia usar a pia apropriadamente após a cura.

A liberdade tem asas. Também Nice (Niké em Grego – que inspirou a marca famosa de tênis), a deusa da vitória que ornava o troféu original das Copas do Mundo, a Taça Jules Rimet, era representada com asas.  A estátua da Vitória de Samotrácia, no Museu do Louvre, está sem cabeça – mas ainda tem as grandes asas. Só que essas asas têm um preço.

Quem é verdadeiramente livre, se vivemos atrelados à tantas dependências externas? O quê nos torna livres quando há tanta vigilância e violência, quando nossas necessidades são ditadas pela mídia e os sistemas sociais falham?

Quem é livre sem ser líder? 

Há quem afirme que a verdadeira liberdade está no reino dos céus. Porém, é impossível entrar nesse reino sem antes entrar em si mesmo. Mas como isso funciona?

Somos prisioneiros da clausura de nossos medos, algemados em nossos traumas e acorrentados aos grilhões da ignorância.

Culpamos as agruras da vida pelo nosso aprisionamento. É essencial acordar desse torpor e vislumbrar o real cenário: Nenhuma desventura acaba com você - apenas o transforma para melhor ou pior. Essa transformação é inevitável e seu resultado depende do modo como você se coloca diante do desafio dessa mudança: Busca uma zona de conforto (desculpa)?  Se sente injustiçado (vítima)?  Enfia a cabeça em um buraco e finge que nada está acontecendo? Culpa alguém pela frustração acumulada por você? Segue em frente e espera que o tempo ou alguém apareça com a solução que você precisa elaborar?

Ainda que se sofra física e emocionalmente, todo o flagelo pode ser aliviado pela compreensão e pela visão clara do cenário que é maior que o nosso contexto pessoal limitado. Não que devamos aceitar tais flagelos passivamente, mas é preciso entender os mecanismos que os causam administrando  seus efeitos de modo a torná-los produtivos, agindo para obter uma cura mais profunda para as enfermidades, físicas ou não, que afetam nossa vida. “Para todo o mal há cura” diz a letra da música de Lulu Santos.

Cura abrange sentidos bem amplos: pode ser a cura de uma situação infrutífera, insatisfatória, ou de uma doença física, psicológica ou emocional, vencendo o mal que aflige o ser (olha a vitória aí de novo…). Na culinária a cura é o processo de preservação de certos alimentos e o aprimoramento do sabor. Já na química, cura é a reação de endurecimento de um material tornando-o mais resistente. Em qualquer desses sentidos, a cura é a liberação para usufruir. Como a pia da minha cozinha, que não vaza mais.

Da mesma forma o termo “são”: Conjuga o Ser na 3 pessoa do plural (o ser coletivo – que faz parte de um todo), define o que tem saúde, o que é inteiro, sensato, ou é o diminutivo de santo.

A cura nos torna sãos, nos faz melhores sanando o vazamento que desperdiça energia. A cura liberta não apenas da doença, mas da estagnação que gera a falsa sensação de segurança e a ilusão de satisfação. A cura é uma escolha desconfortável.

O agente que definirá o suporte desse processo de cura chama-se psique (do grego psych), cujo significado é sopro, alma, aquilo que nos define intimamente. Já na antiga Grécia a psique era frequentemente representada na forma de uma borboleta, a metáfora da imortalidade da alma através dos ciclos, que após uma existência rastejante como lagarta é capaz de ressurgir de si mesma e gozar a liberdade (e com asas ! ). São as asas dessa borboleta que nos possibilitarão o vôo da liberdade tornando-nos vitoriosos sobre nós mesmos.

O aprimoramento pelas lições da alma possibilita a verdadeira e profunda mudança, é o catalizador da cura. É uma medicação com efeitos à longo prazo, obtidos pela dança voluntária com as nossas dores, ainda que os pés estejam feridos. Eles terão descanso quando você parar de rastejar e adquirir suas asas.

É preciso que se queira passar pelo doloroso processo de cura operando as ações que sejam requeridas para concluí-lo. É preciso vontade e força para deixar o casulo, livrando-se das algemas para abrir os braços e receber  asas  capazes de voar.

Evidentemente é preciso que haja transformação e movimento para que a cura ocorra possibilitando evolução, mas o que é óbvio para uns nem sempre é ululante para outros e há que se conviver com isso.

Contudo, a inegável verdade é que sem cura, não há asas. Sem asas, não há liberdade e sem liberdade não existe vitória.

Considero o vídeo deste post um dos mais especiais :
https://www.youtube.com/watch?v=OIvHSiIEpc4







quarta-feira, 7 de maio de 2014

Farofa de Alzheimer


“Há algo de podre no reino da Dinamarca".
(Marcelo em Hamlet, Ato I cena IV- de William Shakespeare)

Não é só na Dinamarca.

Um dos fatores que identificam um povo é a culinária. Muito popular na mesa brasileira, a farofa acompanha quase tudo.
De milho ou mandioca, a farinha de origem indígena era comumente adotada para, com porções de feijão, alimentar os escravos que chegavam da África.

Sábado. Dia sagrado para os judeus. Dia também de feijoada com…farofa.

Com o tempo a farofa foi ficando mais sofisticada, com a adição de vários ingredientes adicionados à mistura que geralmente não são identificados de imediato pelos que a degustam, e ganhou a mesa das comemorações. Importa mesmo é que agrade ao paladar, mesmo que os ingredientes estejam como o reino da Dinamarca...

25 de Dezembro. Dia de farofa.
Não falo da celebração cristã do nascimento de Jesus. Falo da celebração pagã do nascimento do deus Mithra, cultuado aos Domingos por muitos romanos, especialmente os militares, nos templos mithraístas sobre cujas ruínas foram erguidas muitas igrejas e catedrais quando o imperador Constantino tornou o “Cristianismo” a religião mandatória.

Esse deus nada tem a ver com a mitra, o longo "chapéu" branco usado pelos papas, nem o outro, igual à esse, que aparece adornando a cabeça de Osíris, o deus responsável pelo julgamento dos mortos no antigo Egito.

A farofa também cai bem nos almoços de domingo. Como no almoço especial do primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio da primavera no hemisfério Norte. Não, não falo da Páscoa. Falo da celebração à deusa pagã da fertilidade, Eostre, da mitologia Anglo-Saxã, cujo animal preferido era a lebre e em cuja a festividade eram oferecidos ovos pintados como símbolo da nova vida.

Os ovos pintados são até hoje um símbolo tradicional da Ucrânia, chamados pêssankas, um souvenir artesanal característico muito apreciado pelos turistas.
Lá não tem farofa, mas tem o delicioso Kutiá. Tem também o 2º maior exército da Europa (depois da Rússia), a 5ª maior usina nuclear do mundo, Zaporizhzhia (a maior da Europa, tendo perdido Chernobil no desastre trágico de 1986) e uma enorme base industrial de eletrônicos, armamentos e artigos espaciais, além de ser considerada o “celeiro” de grãos europeu. Há algo de muito podre na crise da Ucrânia, diria Marcelo.

Vivemos num grande prato de farofa. Das farofas da humanidade a mais consumida é a de Alzheimer. Mesmo que quase ninguém saiba disso.
Alzheimer é uma doença degenerativa do sistema nervoso que provoca o declínio das funções intelectuais e distúrbios de memória, interferindo no comportamento e na personalidade. A previsão, segundo a ADI (Alzheimer's Disease International ), é que o número de doentes de Alzheimer chegue a 65,7 milhões em 2030. Extraoficialmente parece que cerca de 90% da população mundial parece já sofrer desse mal considerando-se o cenário histórico e atual das sociedades.

Ao descobrir o incrível potencial dessa farofa, líderes e governos do mundo civilizado desenvolveram métodos de transformá-la em pílulas, usando o engodo como excipiente, para em seguida administrá-las à sociedade em doses nem sempre homeopáticas.
Descobriram que, com a pílula da farofa de Alzheimer, era possível controlar de modo cada vez mais amplo um volume cada vez maior de pessoas e, consequentemente, controlar os meios de produção, consumo e comunicação. Após um tempo mais prolongado de tratamento, os pacientes tornam-se inaptos a discernir valores e conectar fatos.

Era mais fácil fartar as populações de muita farofa (de desinformação) do que sonegar-lhe o alimento justificando sua fome. A perda de referenciais levaria as conciências à um inevitável Alzheimer social.
Assim, foram formados concílios, criadas agências, patrocinadas indístrias e estabelecidos sistemas, cânones e códigos em nome de uma pseudo-organização serviria de alicerce do mundo como conhecemos hoje: o alicerce da farofa.

Como mostra a história, os que sabiam ler determinaram o que era sagrado para o povo em lugar do dinheiro e da dignidade que roubaram, misturaram com muita apologética e serviram essa farofa (eventualmente preparada com ingredientes podres como no reino da Dinamarca) cozida com controle econômico, assada com desinformação (podendo adicionar manipulação) ou frita em óleo de guerras.

Hoje, quase ninguém sabe o que vem de onde nem porquê. Só sabem comer farofa.

Nessa farofa, refoga-se primeiro o pão e o circo para dar gosto e joga-se sobre a educação e saneamento. Quando esquentar junta-se qualquer escândalo, adiciona-se uma celebridade ou pessoas pública(ou várias), abranda-se o fogo e reserva-se um pouco com teorias da conspiração desarticuladas para confundir. Serve-se em seguida com Alzheimer. Sob forma de pílulas, a droga deve ser administrada sob o rótulo de vitamina. Há registros relevantes de efeitos colaterais como a letargia, ignorância, dormência e inércia.


As celebrações mudam, fica a farofa.

Segue o video deste post: