quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Encontros Noturnos



Há muitas formas de momentos difíceis na vida.
Eles podem se apresentar como uma enfermidade, uma perda financeira ou emocional, um desentendimento, más notícias, intrigas, a “traição” da confiança ou a frustração das expectativas depositadas em alguém ou em alguma situação, qualquer obstáculo que exija a superação de limitações  que tenhamos.

Experimentei vários desses momentos, como qualquer outra pessoa. Após esses enfrentamentos, guardei uma das lições que acredito ser das mais importantes que aprendi na vida:  a de que não devemos medir a dificuldade pelo tamanho do obstáculo, e sim pela nossa motivação em enfrentá-lo. Não sob o enfoque abordado nos livros de autoajuda, segredo do sucesso, essas coisas. Me refiro a algo mais íntimo e profundo, provavelmente incompreensível para muitos: falo no sentido de resistir à dor que os processos dessa natureza provocam e de que não há analgésico mais potente do que a motivação.

Os momentos de dificuldade e desafios provocam efeitos colaterais bastante incômodos, dolorosos e angustiantes. Como o  medo, que acredito ser um dos mais intensos: medo de falhar, de não ser bom o bastante,  medo das dores vindouras, da navalha das críticas, medo da incapacidade de controlar as consequências (controlar? Ora, vamos combinar...), medo do incerto, medo dos fantasmas e seus olhares ameaçadores.

A bruma do medo cobre as estrelas tornando a noite escura e desnorteada, nos deixando às cegas e à mercê do pânico. Quando me deparo com esses momentos, deixo minha consciência “respirar” lembrando que a única maneira de livrar-me dos fantasmas é acendendo a luz da confiança que liberta, que me lembra do fato incontestável de que o aprendizado anula as perdas ( “Em todo o trabalho há proveito”...). 
A essa luz eu chamo fé. Não a fé propagada em templos, não a fé das religiões, mas a fé de quem sorri diante das negativas da vida.

Não que eu não tenha questionamentos espirituais íntimos e intensos e possua uma fé inabalável. Nenhum ser humano é inabalável. Vivo minhas batalhas interiores, titubeio no caminho, tenho momentos de fraqueza  e isso me ajuda a reconhecer os traços da minha identidade: são minhas falhas e não há porquê me envergonhar delas.

É justamente aí que olho para dentro. Na minha noite interior, em uma dimensão que conecta  meu íntimo com o universo e com Deus, consciente do fractal que sou desse universo, dessa rede maior, sinto aquecer a luz da minha fé como se alguém trouxesse em meio à um caminho escuro uma candeia e me entregasse,  acendendo estrelas em meu espírito e permitindo que eu perceba uma infinitude de possibilidades e escolhas que estão lá, à minha espera, onde antes haviam fantasmas. Quais as opções certas? Não há. Tudo é incerto. As coisas vão se definindo à medida em que se desenham os traços ousando além do que era mero esboço. É preciso fazer escolhas e investir nelas. Assumi-las.

Há escolhas melhores, há escolhas ruins, mas no final das contas o que importa mais é como enfrentamos cada escolha. Medo não é fraqueza – indecisão sim. Questionar a fé não é sentença de morte – acomodação sim.  Mudar não é perigoso – procrastinar sim. Vitória depende do ponto de vista...e da atitude.

Tenho vivido desafios. Tenho tido medo e visto fantasmas.Tenho feito escolhas.

Só que desta vez  algo mais está acontecendo porque não estou olhando pra dentro em busca de uma candeia para aquecer a luz da minha fé. Por alguma razão não estou preocupada com meus fantasmas, que parecem não me perturbar mais, ou pelo menos não da mesma forma ou com a mesma intensidade de antes. Dessa vez meu “primeiro instinto”, se é que posso definir assim,  é de compartilhar essa candeia com outras pessoas. Não por altruísmo, não. É apenas porque, depois de tantos medos, tombos, falhas e superações, parei para olhar as fotos dessa minha viagem e lá estavam outras pessoas. Vi que os fantasmas que lhes causavam medo eram semelhantes aos que eu via e, portanto, a candeia que tanto me serviu poderia lhes ser útil. Livrando essas pessoas de seus fantasmas ameaçadores meu caminho fica mais iluminado porque, como vi nas fotos, em muitos trechos nossa trilha é compartilhada.

Quanto ao que machucou, deixo para trás, para o pó das pedras que ultrapassei pois meu olhar se ocupa do horizonte, não da nuca. A liberdade é o privilégio dos imortais e uma vez que transcendemos para a eternidade toda a tribulação contribui para o engrandecimento da jornada. O fim não existe mais. Toda a perda se torna mera transformação e entendemos, finalmente, o real significado de fazer parte.