No início de 2012 recebi o diagnóstico de um tumor cerebral inoperável. A partir daí houve mudanças radicais na minha vida e percebi que, mais do que nunca, viver é urgente, amor é imprescindível e coragem é fundamental. E sem fé, todo o resto é inútil. Que isso possa contribuir para o andar de quem ler essas mensagens, porque afinal estamos todos aqui, lutadores, exploradores...peregrinos. - Jo Cestari -
domingo, 21 de junho de 2015
quinta-feira, 11 de junho de 2015
São Jorge e a Garrafa Pet
Passando por uma esquina, o papeleiro se deparou com um
amontoado de lixo depositado em uma
calçada. Andou mais um pouco e, “estacionando” seu carrinho, pôs-se a vasculhar
o lixo que algum cidadão “caridoso” havia deixado ali para “ alguém”. Ele selecionava as sacolas plásticas e os
objetos como se fossem frutas em um
mercado. À certa altura, encontrou algumas garrafas PET perdidas no meio daquele
entulho. Colocou-as no carrinho e, vendo que em uma delas havia um resto de
alguma bebida, abriu, cheirou o conteúdo e, então, bebeu. Colocou mais algumas
coisas no carrinho e seguiu em frente. Testemunhar aquela cena me trouxe à
mente uma profusão de pensamentos e sensações.
Após uma inicial revolta interior pela indignidade
humana, pelo descaso com o ambiente e todas as emoções relacionadas aos fatos
sociais aos quais nos habituamos a ver diariamente e acabamos absorvendo com
sendo comuns e “normais”, sobreveio um pensamento: Quando se tem muita sede,
todo o líquido é precioso. Como naqueles filmes que ilustram situações extremas
de luta pela sobrevivência.
Este contexto extremo me levou ao momento muitas vezes extremo que
leva as pessoas a atravessar a porta do meu consultório: situações limite, a procrastinação
que levou a situação ao nível insuportável, desespero, a hora do tudo ou nada.
Somos todos papeleiros que, em algum momento da vida,
passaremos por uma “sede“ insuportável. Neste ponto estaremos vulneráveis e
dispostos a beber qualquer líquido, ainda que impróprio para consumo. É nesse momento que precisamos escolher quem queremos ser de fato.
Alguns vão preferir procurar no lixo a fazer
sacrifícios para trocar o carrinho de papeleiro por uma Ferrari. Só irão buscar
ajuda e valorizar essa ajuda quando sua arrogante convicção de que têm toda a
água de que precisam e que esta será sempre suficiente para saciar sua sede evaporar com a água que pensavam ser eterna.
Esquecem que copos cheios não recebem água fresca. Pior que isso, querem uma
ajuda que não requeira sacrifícios na ilusão de que outros resolverão o que
cabe à si. Preferem pagar para aliviar a culpa na ilusão de estar fazendo
alguma coisa para melhorar a situação ao investir em sua própria capacidade de
realização.
Ao confrontarem seus dragões, preferem gritar por um
“São Jorge” disponível que prometa matar a besta com um só arremesso de lança.
É lugar comum admitir que algumas pessoas são mais
fortes do que outras, assim como aceitamos como normal e aceitável ver um
papeleiro mexer no lixo em uma equina. Assim, o mundo se divide entre os fortes
e os fracos, os espertos e os idiotas, as vítimas, os dragões e os “São Jorges”.
Nessa história toda, prefiro ser a garrafa PET. A
garrafa pet é moldável, o calor das chamas dos dragões não destrói sua
essência, podendo das chamas transformar-se em muitas coisas novas, com
múltiplas utilidades. A invencível garrafa PET, que mesmo ao degradar-se no
ambiente, em um longo processo de mais de 400 anos de duração, mesmo após
existir como garrafa deixa em suas moléculas a marca dos elementos que a
compõem. Garrafa PET, o “tesouro” do papeleiro. Garrafa PET não precisa gritar
por um São Jorge porque não teme o fogo dos dragões.
Porém, ser garrafa PET é uma escolha. Requer um
processo de fabricação e uma elaborada composição química. Mas é melhor do que
temer dragões ou depender de um São Jorge disponível que não erre o arremesso
de sua única lança (que pode nos atingir e matar).
O mundo não é feito de fracos e fortes, espertos e
idiotas, vítimas e dragões, “São Jorges” e lanças: O mundo é feito de
papeleiros e garrafas PET.
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