sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Delírio de um índio suicida


Cheguei perto da janela e o sol estava se pondo no horizonte da cidade, cobrindo os prédios de tons alaranjados. 
Parei um instante para contemplar o ritmo do final do dia. Senti saudades de alguma coisa indefinível.

Nos poucos instantes de contemplação meu pensamento foi roubado, arrebatado por séculos de história.
Num ponto entre o delírio e a loucura vislumbrei a criação em dois gênesis distintos.

Um eco em minha mente dizia que Deus criou um universo onde tudo tem uma função clara, tudo contribui para o equilíbrio entre as forças e a liderança é dada aos que provam ter  a capacidade de assumi-la. Os outros confiam nesse líder e trabalham pela sustentabilidade dos grupos. E aí o homem foi criado. E o homem criou seu próprio mundo e um deus para servi-lo. Neste mundo, a liderança é dada para quem tem mais ou conhece alguém que tem mais ouro. A massa que sobra segue o líder porque tem medo do que ele possa fazer, da represália, da punição do deus que o homem fabricou, de perder o emprego ou de ser marginalizado, rejeitado socialmente. O mundo criado pelo homem é consumido pela ignorância e pela covardia em seu sentido mais amplo. O mundo do homem tem o tamanho do seu caráter.

Somos índios suicidas.
Índios porque nos comportamos como os povos nativos diante dos conquistadores, nos deslumbramos com seus espelhos e quinquilharias ...
Suicidas porque desistimos de assumir responsabilidade sobre nossas vidas. Boiamos na água à mercê da correnteza em vez de nadar.

Cheguei à conclusão de que muitas pessoas, lá bem no fundo, onde guardam a verdade, estão frustradas porque o fim do mundo não veio em 2012. O desespero por mudança é tão grande que mesmo a um custo catastrófico elas queriam que algum fator externo desencadeasse o processo de ruptura com o status quo que elas não conseguem iniciar. É como o desespero do sedento que bebe mesmo a água ruim que pode matá-lo porque não suporta mais a sede.

Quando nos entregamos a uma doença, seja ela física, psicológica ou mesmo moral, estamos desistindo da vida, como suicidas. O mesmo acontece quando nos entregamos a qualquer situação permanecendo inertes aos seus efeitos - cometemos um ato de suicídio lento e doloroso a cada manhã.

Leon Cardogan, em “Las tradiciones religiosas de los indios Jeguaká Tenondé Porágué í del Guairá, comúnmente llamados Mbyá, Mbyá-Apyteré o Ka'ynguá.” (Assunção. Revista de la Sociedad Científica del Paraguay 7:15-47. - 1946), faz a  análise do mito indígena Guarani da “Terra Sem Mal,” a Yvy Marã Ey: o paraíso onde, para chegar, é preciso atravessar o “grande rio” (para guassú). A única forma de atravessar o grande rio é "orerete'i orogueno'ã"  (fazendo nossos corpos agir/viver mais.)

Dos muitos julgamentos aos quais me expus e continuo me expondo por falar o que penso, talvez demais, a covardia não constará no rol de acusações. Digo isso não por soberba, mas por saber que isso depende do meu empenho em fazer com que seja verdade. Minha voz prefere incomodar os surdos do que ser apreciada pelos comensais do restaurante. Sei que o que me é lícito nem sempre convém, por outro também creio que pensar é existir, assim como agir é dar sentido ao pensamento. Isso é bem filosófico, eu sei, mas tem um sentido prático. O mundo do homem se distanciou do mundo de Deus por conta da ganância, das religiões, da ignorância, do jogo de interesses...e da covardia. Dizemos aquilo que não sentimos nem pensamos e encontramos muitas desculpas para fazê-lo. Justificamos nossa inércia e sacrificamos nossa integridade em favor da conveniência. Como índios suicidas, desistimos de fazer nosso corpo agir/viver mais. Esse nosso suicídio não nos conduzirá ao paraíso.

Precisamos fazer alguma desordem para limpar a casa, sujar os pés para lavar a lama do chão. O medo de nos expormos é nossa verdadeira covardia: é ter medo de assumir nossa humanidade achando que temos de ser aceitos por uma realidade que não merece essa consideração, que ser forte é não mostrar as falhas. Se você acredita que é fraco, é mais fraco do que pensa. Se usurpa a força que julga ter, é um tolo, ignorante e inseguro. De qualquer forma, a impermeabilidade não o tornará mais forte. Ela vai sufocá-lo em seu isolamento.

Pare seu dia um instante, ouça com cuidado e reflita sobre essa súplica poética dirigida à Deus por um poeta-índio, e tenham todos um bom final de semana:



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